Para onde
nem os versos podem ir
Em dias como
este, pai, dá-me
para ir
conversar contigo, eu sei,
exausto que
ando de tudo o que é mesquinho.
Lá no fundo
está o mar
em que tu me
ensinaste a distinguir
os
cargueiros e os petroleiros,
separando o
norte do sul
e o leste do
oeste. Marinheiro não fui,
embora mil
vezes tenha sentido
a
avassaladora tentação do mar.
Poeta sim,
que os poetas têm o direito
de desenhar
mapas imaginários
onde os
outros inventaram cidades tristes
com corvos
dentro carpindo a mágoa dos vencidos.
Tu estás
imóvel, atrás de uma pedra, pai,
mas eu
consigo ouvir a tua voz, em nós,
e o silvo do
teu assobio chamando os pássaros
e os cães
nos primeiros dias de junho.
Quem me dera
poder escrever
nesse
rectângulo frio todas as palavras
que um filho
sabe usar
para trazer
um pai de volta à vida,
nem que seja
para partirem juntos
para onde
nem os versos podem ir.
José Jorge
Letria, in "Tristes tópicos"
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