domingo, 18 de março de 2018

Dia do Pai



Para onde nem os versos podem ir

Em dias como este, pai, dá-me
para ir conversar contigo, eu sei,
exausto que ando de tudo o que é mesquinho.
Lá no fundo está o mar
em que tu me ensinaste a distinguir
os cargueiros e os petroleiros,
separando o norte do sul
e o leste do oeste. Marinheiro não fui,
embora mil vezes tenha sentido
a avassaladora tentação do mar.
Poeta sim, que os poetas têm o direito
de desenhar mapas imaginários
onde os outros inventaram cidades tristes
com corvos dentro carpindo a mágoa dos vencidos.

Tu estás imóvel, atrás de uma pedra, pai,
mas eu consigo ouvir a tua voz, em nós,
e o silvo do teu assobio chamando os pássaros
e os cães nos primeiros dias de junho.
Quem me dera poder escrever
nesse rectângulo frio todas as palavras
que um filho sabe usar
para trazer um pai de volta à vida,
nem que seja para partirem juntos
para onde nem os versos podem ir.

José Jorge Letria, in "Tristes tópicos"


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